Com a introdução dos testes moleculares na rotina clínica oncológica, os laboratórios modernos de patologia tiveram que adaptar o processamento tecidual para garantir que as amostras sejam satisfatórias não apenas para análise histopatológica mas também molecular. Um exemplo dessa adaptação técnica é a descalcificação de amostras ósseas, processo que, se não supervisionado, pode levar a danos teciduais irreversíveis.
Dra. Patrícia Schorn, médica oncologista, conduziu um caso em que a escolha do método de descalcificação tecidual foi crucial para a investigação clínica. Tratava-se de uma paciente portadora de carcinoma mamário, luminal B, com rápida progressão para metástases ósseas exclusivas, na vigência de tratamento. Fez-se necessário um estudo molecular (FoundationOne) da metastase para melhor orientação da conduta. A primeira biópsia, descalcificada com métodos convencionais usando ácidos inorgânicos, resultou em uma amostra insatisfatória. Na segunda tentativa, o material foi submetido à descalcificação com EDTA, que resultou em integridade morfológica e molecular. “Nesse caso em especial, tivemos muita dificuldade pois os focos metastáticos eram exclusivamente ósseos. Sabemos que amostras de osso não são ideais para análise molecular, mas não havia outro sítio para se pesquisar o perfil molecular do tumor metastático” comenta Dra Patrícia Schorn.
O patologista do Laboratório Lâmina, Dr Marcos Segura, esclaresce: “Sempre que possível devemos evitar as biópsias ósseas quando o objetivo é a análise molecular. Nesse caso específico conduzido pela dra. Patrícia Schorn não tivemos alternativa. O uso do EDTA foi essencial para preservação do DNA tumoral”.
Para que uma amostra tecidual que contenha osso ou cartilagem calcificada seja corretamente processada, é necessário que o tecido seja submetido a um processo de descalcificação – que consiste na remoção do cálcio inorgânico do corte histológico, deixando íntegra a matriz orgânica colagenosa.
Historicamente, os laboratórios de histopatologia optaram pelo uso de ácidos inorgânicos (soluções aquosas com concentração de 5-10%) que reagem com o corte, formando sais de cálcio que se desprendem do tecido e passam para a solução. Em biópsias pequenas, esse processo pode durar menos de 24 horas. No entanto, o emprego de ácidos em tecidos pode ter como resultado dois efeitos danosos:
1) Prejuízo da afinidade tintorial dos tecidos (dificultando a análise morfológica);
2) Agressão ao DNA, levando à fragmentos menores do que as sondas empregadas nos testes moleculares, resultando em amostras insatisfatórias.
Uma alternativa ao uso de ácidos inorgânicos são os agentes quelantes, sendo o EDTA (ácido etilenodiaminotetracético) o principal candidato para essa função. Apesar de ser nominalmente um “ácido” esse agente não age como um ácido inorgânico, mas se liga covalentemente aos íons metálicos do cálcio e os torna solúveis. Como é empregado em um pH de 7-7.4, o potencial dano ao DNA é minimizado. Dessa maneira, o DNA contido no tecido não apresenta quebras e os métodos moleculares podem ser aplicados com segurança.