CASO CLÍNICO #1
Recebido para exame produto de apendicectomia de urgência, de paciente do sexo feminino, 57 anos, sem antecedentes oncológicos, devido apresentação clínica de apendicite aguda. O apêndice cecal estava dilatado, e aos cortes demonstrava luz dilatada e preenchida por muco espesso, aderente. Os cortes histológicos demonstraram uma neoplasia mucinosa de baixo grau em contato direto com a camada muscular (Figura 1). Não havia invasão destrutiva da parede nem dissecação por mucina. O exame da serosa não revelou a presença de mucina, e a margem cirúrgica proximal (cecal) encontrava-se livre de epitélio mucinoso atípico.
Figura 1. Parede apendicular com perda da lâmina própria e submucosa (a). Foco de atrofia do epitélio de revestimento (b). Epitélio mucinoso com núcleos pseudoestratificado justaposto a camada muscular (c / d).
DIAGNÓSTICO: Neoplasia Mucinosa de Baixo Grau de Apendicie (LAMN), estadiamento pTis, margens cirúrgicas livres.
CASO CLÍNICO #2
Trata-se de produto de ileo-colectomia direita, indicada devido a tumor localizado em quadrante inferior direito de abdomen. O exame macroscópico da peça revelou tumoração sólido cística, com secreção mucinosa unindo apendice cecal, íleo terminal e ceco. Os cortes histológicos demonstraram proliferação mucinosa com origem em apêndice cecal, tendo evidências de invasão destrutiva da parede (Figura 2). Foi observado epitélio mucinoso atípico na serosa.
Figura 2. Parede de apendice cecal com atrofia de submucosa e presença de epitélio mucinoso atípico com dilatação da luz (a). A proliferação mucinosa se torna complexa, papilar com infiltração destrutiva da parede apendicular (b). Foi observada a presença de epitélio atípico e mucina na superfície serosa do apendice, ceco e íleo terminal. Ao maior aumento a neoplasia é complexa, com formações cribriformes e atipias de alto grau (d).
DIAGNÓSTICO: Adenocarcinoma mucinoso de apêndice cecal, estadiamento pT4b, margens cirúrgicas (tubo intestinal) livres.
CASO CLÍNICO #3 [2]
Paciente de 63 apresentando tumor ovariano direito, que foi enviado para exame intraoperatório. Paciente sem antecedentes oncológicos. A inspeção cirúrgica da cavidade não evidenciou outras alterações. A análise intraoperatória do ovário direito revelou um tumor de 21,0 cm uniloculado, preenchido por mucina. Microscopicamente foi identificada uma neoplasia mucinosa com atipias. Por indicação do patologista, foi solicitado a exérese do apêndice cecal. O exame histopatológico final demonstrou que o apêndice cecal estava acometido por uma lesão mucinosa atípica, sem invasão destrutiva, que preenchia os critérios para LAMN. No ovário, a neoplasia mucinosa era de baixo grau, com características morfológicas semelhantes às vistas no apêndice. As duas lesões (apêndice e ovário) foram submetidas a exame imunohistoquímico, obtendo-se um painel semelhante, com positividade para SATB2, CDX2 e CK20 e negatividade para CK7, PAX8, RE e RP.
Figura 3. Exame macroscópico do ovário direito demonstrando tumor de 21cm preenchido por mucina (A). Características histológicas e imunofenotípicas do tumor ovariano se assemelhavam ao tumor do apêndice (B).
DIAGNÓSTICO: LAMN, com metástase para ovário direito.
DISCUSSÃO
As lesões classificadas como LAMN são representadas por neoplasias mucinosas de apêndice sem evidência de invasão infiltrativa do estroma. Antes da nomenclatura proposta pela Peritoneal Surface Oncology Group International (PSOGI) em 2016 [3], essas lesões eram inconsistentemente chamadas de adenoma, tumor mucinoso de pontencial maligno incerto, mucocele ou cistadenoma.
ASPECTOS CLÍNICOS
LAMNs são mais frequentes em mulheres na 6ª década de vida. Em até 20% dos casos, se apresentam como achados incidentais em pacientes submetidas a apendicectomia por apendicite aguda. No entanto, em estágios mais avançados, pode apresentar-se na forma de massa abdominal ou metástase ovariana.
PATOLOGIA
A definição anatomopatológica de LAMN, conforme PSOGI [3], preve os seguintes critérios: (1) Neoplasia mucinosa com atipia de baixo grau na luz do apêndice; (2) Perda da camada muscular da mucosa; (3) Fibrose da submucosa; (4) Invasão expansiva (ou divertículo-like); (5) Dissecção de mucina acelular; (6) Crescimento epitelial ondulado ou aplainado; (7) Ruptura do apendice; (8) Presença de mucina com ou sem células fora do apendice.
Caracteristicamente o apêndice se apresenta dilatado e preenchido por mucina. Pode haver ruptura da parede com a mucina aderida à serosa. Microscopicamente a arquitetura do apêndice encontra-se alterada por uma proliferação neoplásica do epitélio mucinoso com abundante mucina citoplasmática que comprime o núcleo na porção basal da célula, dando um aspecto histológico relativamente brando, pouco sugestivo de displasia. O acúmulo progressivo de mucina no lúmen pode levar a um aplainamento do epitélio e dilatação do órgão.
Ao invés de invadir o estroma com destruição tecidual e desmoplasia (invasão infiltrativa), os LAMNs possuem dois padrões de extensão pela parede: 1) Padrão expansivo, levando à atrofia ou desaparecimento completo da lâmina própria, muscular da mucosa ou submucosa; 2) Dissecação de mucina acelular pela parede.
IMPORTANTE: invasão estromal destrutiva propriamente dita não é observada. Caso se observe invasão destrutiva, a lesão deve ser classificada como adenocarcinoma.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
MUCOCELE| É um termo descritivo que fornece informações sobre o potencial clínico da doença. Etimológicamente a palavra define uma dilatação preenchida por muco. Tanto lesões malignas, pré-malignas ou benignas podem se apresentar como uma mucocele.
HAMN (HIGH-GRADE APPENDICEAL MUCINOUS NEOPLASM / NEOPLASIA MUCINOSA DE ALTO GRAU DE APÊNDICE) | À semelhança da LAMN, trata-se de neoplasia mucinosas sem invasão infiltrativa do estroma, mas que apresenta displasia de alto grau. Os dados disponíveis até o momento indicam que os casos de HAMN possuem um curso clínico mais agressivo que LAMN.
ADENOCARCINOMA | Trata-se de neoplasia mucinosa com sinais de invasão infiltrativa do estroma na parede do apêndice. São neoplasias malignas com capacidade de metástase.
ALTERAÇÕES REATIVAS DO EPITÉLIO INTESTINAL DO APÊNDICE| Uma vez que as LAMNs possuem apresentação citológica com atipias de baixo grau, sem invasão destrutiva, vários processos benignos associados a hiperplasia e dissecção da parede podem simular as LAMNs, como é o caso da doença diverticular do apêndice. Não é incomum que divertículos apendiculares se apresentem com ruptura e extravazamento de mucina para a superfície serosa.
NEOPLASIA MUCINOSA DE OVÁRIO| O caso clínico 3 relata uma apresentação comum do LAMN em que a manifestação clínica inicial é de tumor de ovário. Para se caracterizar que a neoplasia mucinosa do ovário é na verdade uma metástase de LAMN, é necessário o exame prévio ou sincrônico do apêndice. O exame imunohistoquímico é de grande importância também, principalmente a pesquisa de SATB2. Conforme a literatura, LAMNs expressam fortemente esse antígeno, enquanto neoplasias mucinosas do ovário não. Sem a informação de um tumor apendiceal ou do imunofenótipo do tumor, pode ser impossível para o patologista fazer o diagnóstico deferencial entre LAMN metastático para ovário vs. Tumor mucinoso de ovário.
ESTADIAMENTO
Conforme a 8a. edição do estadiamento TNM, as LAMNs podem ser estadiadas conforme abaixo:
Tis LAMN Confinado ao Apêndice (Mucina acelular ou epitélio mucinoso pode se estender até camada muscular própria).
T3 Tumor invade subserosa ou mesoapêndice
T4a Tumor perfura superfície do peritoneo visceral (incluindo tumor mucinoso peritoneal ou mucina acelular na serosa do apêndice ou mesoapendice).
T4b Tumor invade diretamente ou está aderido a outros órgãos / estruturas
Pela própria definição da doença, não existem estadiamentos pT1 ou pT2 para LAMNs.
N0 Sem metástase linfonodal
N1a Metástase para 1 linfonodo regional
N1b Metástase para 2-3 linfonodos regionais
N1c Depósitos satélites, sem metastase linfonodal
N2 Metástase para 4 ou mais linfonodos
M0 Sem metástase a distância
M1a Mucina acelular intraperitoneal
M1b Metastase intraperitoneal somente, incluindo epitélio mucinoso
M1c Metástase não peritoneal
PROGNÓSTICO
A história natural de LAMNs é dependente do estadiamento do tumor. Em casos em que a neoplasia está confinada ao apêndice, com margens livres, o prognóstico é excelente e a cura pode ser obtida com a apendicectomia.
Casos com mucina acelular confinada ao quadrante inferior direito do abdômen possuem um baixo risco de recorrência ou progressão para PMP. Se nesse mesmo contexto, a mucina conter epitélio mucinoso neoplásico, o risco de doença disseminada aumenta.
Quando amplamente disseminado pelo peritônio (entidade clínico-patológica chamada de pseudomixoma peritoneal – PMP), uma evolução inexorável e lenta é esperada. Nessa situação o prognóstico dependerá do grau de displasia do epitélio presente nas metástases, a extensão da lesão, bem como da possibilidade de se obter uma citoredução completa de todo o tumor macroscopicamente visível. A quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (vide tratamento) aumentou a sobrevida nesse cenário.
TRATAMENTO
As informações sobre o estadiamento irão guiar as decisões terapêuticas. Apendicectomia é considerada suficiente para o tratamento de LAMNs confinadas ao apêndice, com margens livres. Caso as margens estejam comprometidas, neste contexto, a ressecção do ceco deverá ser considerada.
Se houver ruptura do apêndice, o risco de progressão e PMP dependerá se a mucina encontrada na cavidade é acelular ou celular. Pacientes com mucina acelular podem ser seguidos clinicamente para se garantir que não haja desenvolvimento de PMP. Naqueles casos com maior risco (presença de mucina celular na serosa), a conduta dependerá de cada caso podendo ser considerada uma cirúrgica citoredutora. Casos de PMP podem ser considerados para quimioterapia intraperitoneal hipertérmica.
CONCLUSÃO CASO CLÍNICO #1: O diagnóstico de LAMN em estágio pT1, com margens livres e sem extravazamento de mucina classifica a paciente como efetivamente tratada. O risco de progressão de doença nesse cenário é baixo, sendo a paciente classificada como de excelente prognóstico. Após 3 anos de acompanhamento clínico não houve sinal de recidiva da doença.
CONCLUSÃO CASO CLÍNICO #2: Diferente do caso clínico #1, este paciente era portador de uma neoplasia maligna, em estágio avançado, necessitando quimioterapia com objetivo de reduzir as chances de recidivas da doença. Dois anos após o procedimento cirúrgico, desenvolveu implantes metastáticos mucinosos em omento, peritoneo visceral e parietal (PMP).
CONCLUSÃO CASO CLÍNICO #3: Paciente evoluiu com progressão da doença sendo observado PMP. O Caso clínico#3 demonstra a capacidade do LAMN em se manifestar simulando um tumor de ovário. Foi importante a intervenção do patologista no período intraoperatório, para se indicar apendicectomia, e caracterizar o LAMN. Outro ponto importante no caso foi a positividade para SATB2 no tumor ovariano e apendiceal, demonstrando tratar-se da mesma neoplasia.
Bibliografia:
- Carr NJ, Bibeau F, Bradley RF et al. The histopathological classification, diagnosis and differential diagnosis of mucinous appendiceal neoplasms, appendiceal adenocarcinomas and pseudomyxoma peritonei. Histopathology. 71(6):847-858, 2017.
- Elisa Schmoeckel, Thomas Kirchner, Doris Mayr 2. SATB2 is a supportive marker for the differentiation of a primary mucinous tumor of the ovary and an ovarian metastasis of a low-grade appendiceal mucinous neoplasm (LAMN): A series of seven cases. Pathol Res Pract. 214(3):426-430, 2018 .
- Carr NJ, Cecil, TD, Mohamed, F, et al. A Consensus for Classification and Pathologic Reporting of Pseudomyxoma Peritonei and Associated Appendiceal Neoplasia The Results of the Peritoneal Surface Oncology Group International (PSOGI) Modified Delphi Process. Am J Surg Pathol. 40(1):14-26.
- WHO Classification of Tumours Editorial Board. Digestive system Tumours. 5th ed. 2019 Lyon France.
Boa noite, meu nome é Agnisio Alves e moro aqui no Cabo de Santo Agostinho região metropolitana de recife, fui operado em novembro de 2021 com neoplasia mucinosa de baixo grau com mucina acelular na parede abdominal, ou seja houve um rompimento do apêndice, mas graças a Deus até hoje venho fazendo todos os exames, marcadores tumorais mensal ok; ressonância magnética semestral ok! Colonoscopia também ok, ou melhor, não sinto nada e venho tendo perfeita saúde. Poderias fazer algum comentário, por favor?? Tenho 69 anos! Meu telelefone 81-999544249. Desejo mim comunicar com alguém que fez a mesma cirurgia.
Agnisio, espero que esteja bem. Se quiser usar esse espaço para encontrar outros pacientes que passaram pelos mesmos desafios que você, pode usar. Boa sorte.
Desejo mim comunicar com pessoas que fizerão cirurgia retirada do apêndice por neoplasia, assim como eu. Meu e-mail: agtec@terra.com.br Meu telefone: 81-999544249/ meu nome Agnisio Alves da Silva.